(...) Cedeu ao cansaço. Sentou-se timidamente, olhando ao seu redor.
Não havia vozes nem sons escusos, era apenas o Ser e aquele Todo, os espelhos
por toda a parte. Tremia. Era algo incontrolável, não havia domínio mais sobre
seu corpo que sofria dores fortes e intensas. Não dores musculares ou de
fraturas, mas dores da alma. De uma alma que estava ali disposta a um
reencontro, e vê em si mesmo todo o ressentimento, todo o ranço das mais
diversas experiências incompreendidas. Num esforço profundo, ele novamente se
ergue. Tenta tocar em um desses espelhos, e diferente da situação das esferas,
ele é transportado para uma lembrança remota. Contudo, não permanece por muito
tempo. Era uma lembrança de uma perda muito forte, do passado. O Ser não fazia
pensar. Não podia. Algo, uma força superior a sua vontade, não o permitia
pensar. E sua fraqueza era capaz de transpor essa mesma vontade. Ele, então,
assistia de fora – como quem vê um filme de sua própria existência -, calado.
Sentia seu coração pulsar tão fortemente e apertar o seu peito, criando a
sensação de arrependimento ainda mais forte. Lágrimas caíam. Não sabia como
reagir de outra maneira. De repente, retorna a primeira realidade. Chão úmido. Escuridão. Espelhos. Parecia que tudo aquilo
que ele nunca quis enxergar, que sempre escondeu de si mesmo, estava ali,
retratado naqueles espelhos. Falhas, medos, inseguranças: no mais profundo de
si mesmo.
Como que por encanto ou necessidade, o Ser toma uma centelha de
raciocínio. Seu corpo começa, lentamente, a tomar uma força. E ele logo pensa,
falando em voz alta:
- Se nada disso posso mudar, o que estou fazendo nesse lugar!?
Um intenso silêncio toma conta do espaço. Não há eco. Mesmo
assim, ele prossegue:
- Se devo agir no meu melhor, pra que serve ver o pior? Teria
que ver o melhor de mim mesmo! Ai sim, terei chances de seguir um caminho mais
claro... Certo!?
O silêncio era o som que se ouvia, o cheiro, a visão. Nada mais.
Aquilo começou a atormentar o Ser, que se viu isolado e sentiu a solidão lhe
fincar a alma feito faca bem afiada atravessando o peito. Com todas essas
sensações aumentando, ampliando, ele continuou. Com uma voz um pouco mais
fraca:
- Será que alguém pode surgir e me explicar? Eu não estou
conseguindo entender! Todos esses espelhos são de um passado que eu não quero
ver, não quero admitir, e isso eu já entendi. Será que preciso aceitar tudo
isso e trabalhar essas dores? De que maneira essas dores serão benéficas? COMO
CURAR AS PRÓPRIAS FERIDAS QUANDO SE ESTÁ MACHUCADO?
O Ser começou a perceber que a umidade do solo começava a
aumentar na medida em que ele questionava. Sentia, simultaneamente, que seu
corpo ia ficando fraco, suas pernas perdiam lentamente as forças e sua mente ia
perdendo a noção do que estava acontecendo. A água estava subindo, alagando
todo o lugar, os espelhos. Uma água clara, limpa e brilhante. O Ser, sem ânimo
nenhum, simplesmente se deixou levar pelas águas. E boiou. Não sentia mais seu
corpo, somente uma sensação de inquietude tão profunda, que foi se perdendo, na
perda dos sentidos. Não havia céu com gaivotas, ou chuva: era uma escuridão
completa imersa em uma água cristalina, e nada mais. Até aquele instante. Seu
corpo foi sendo carregado pelas águas, até que alguém lhe pegou pela mão. O Ser,
nesse momento, já não mais sentia nada. Não se deu conta de que estava sendo
puxado para um lugar que não estivesse alagado. E assim se deu.
Após um indefinido tempo, o Ser abre os olhos. Agora, sente uma
terra mais seca. Tateou o seu corpo e sentiu que não havia mais a dormência
anterior. Notou uma luz cintilante banhando todo o local, até onde seus olhos
podiam ver naquela posição. Ele somente movimentava a cabeça, observando tudo
ao seu redor. Um mundo novo, estranho, diferente e interessante. Levantou-se
com uma facilidade estonteante. Parecia reanimado e feliz. (...)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAs águas fazendo sempre o seu grande papel deste o início de nossa existência. Em nossa dimensão tudo para nós, os seres miúdos, é tudo tão limitado, que acabamos esperando pelo real ao que os nossos olhos podem enxergam, ao que a mão consegue tocar. Quando permitimos aceitação da energia, do que apenas toca a pele como brisa e que deixamos a luz entrar, parece que a centelha divina preenche e acolhe, e educa, e tudo faz sentido: A água lava e escorre, o vento leva, o sol derrete e envolve, a terra se equipa de tinta e pincel desenhando a trilha.
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Muito bacana, Zel! Concordo contigo. A Fé é uma prova de que podemos sim acreditar em algo que ainda não é palpável!! E existe, e está lá!
ExcluirBjo grande e obrigada pelo comentário!